#8 Coragem é pra quem tem medo
quando eu finalmente compreendi que o medo poderia ser um aliado à minha coragem, transcendi.
Para ler ouvindo Psiu da Liniker
Mesmo beirando os 26 anos, ainda deixo a luz do corredor acesa e a porta do quarto trancada quando durmo sozinha no apartamento onde moro com minha mãe e meu padrasto. Tenho pavor de ficar submersa na escuridão sozinha, minha mente cria imagens assustadoras, vultos e vozes na tentativa de me autossabotar no lugar aparentemente mais seguro do mundo, minha casa ou melhor, meu quarto. Li em algum lugar no qual não me recordo onde, que pessoas que tem medo do escuro preferem ligar a luz para ver melhor e se sentirem mais seguras, o que é irônico já que o medo do escuro decorre do medo de ter algo escondido e ao ligar a luz tudo fica exposto, o que realmente parece um pouco contraditório. Eu por exemplo acendo a luz porque na minha cabeça coisas assustadoras não gostam da luz então assim consigo despista-las, geralmente evito assistir filmes mais pesados à noite porque as chances de eu sonhar com isso é grande.
Acontece que todo ser humano sente medo de alguma coisa, seja do escuro, altura, palhaço, morte, decepção, doença, algum bicho, andar de carro, alguma situação, o medo está presente na vida de qualquer pessoa. O medo é uma emoção, o que nada mais é do que uma reação aos estímulos externos e cognitivos, se estamos em um ambiente que aparenta ser perigoso nosso corpo irá reagir a isso, ele emite alertas e se manifesta de diferentes maneiras: o coração acelera, a respiração fica descontrolada, as pernas e mãos começam a tremer, suor, essas são algumas manifestações comuns. Eu sinto todas essas coisas quando um cachorro começa se aproximar de mim, seja ele grande ou pequeno, se tá olhando pra mim e prestes a pular ou latir, saiba que eu entrarei em pânico. Momentos como esse me fazem querer correr desesperadamente, mas nem sempre correr é a melhor solução, o famoso “se correr o bicho pega se ficar o bicho come”.
Fiz minha primeira viagem sozinha quando fui à São Paulo em dezembro de 2019 para curtir 5 dias de CCXP, um dos maiores eventos nerds do mundo. Fui sozinha todos os dias para o evento, passei pelas ruas de SP -que são bem perigosas-, enquanto ouvia “você não tem medo de andar sozinha em uma cidade tão grande?”, eu costumo dizer que eu tenho medo é de não poder viver a vida que eu quero só porque não estou sempre acompanhada. Não só penso e digo isso com certa frequência, como já fiz outras viagens sozinha, fui á Jericoacoara em 2021 sozinha, depois Goiânia, até que embarquei na maior viagem solo da minha vida. Resolvi atravessar o Oceano Atlântico dentro de um avião que demorou mais de 11 hrs para chegar ao destino de conexão e depois eu peguei outro voo de 3:30 hrs para o destino final, Lisboa. Era a primeira vez que eu saia do Brasil e de cara fui sozinha, para o desespero da minha mãe e motivo de orgulho dos meus amigos, eu também me sentia orgulhosa. Tive medo do começo ao fim, estava aterrorizada com o fato de estar longe demais de casa e estar quase 100% sozinha, eu tinha alguns amigos em Porto, um colega em Lisboa que poderiam me dar suporte, mas nenhum era intimido de mim. Apesar da língua nativa ser português parecido com o do Brasil, a maioria das pessoas falavam em inglês, havia muitos gringos, então mais um medo para ser enfrentado: falar inglês. Na volta dessa viagem tive uma conexão de 8 hrs em Amsterdam e logo pensei que seria uma ótima oportunidade para conhecer mais um lugar que sempre sonhei em conhecer, mas era de noite, o que não me impediu de pegar um metrô e andar pela Red Street District às 23 hrs de uma segunda-feira. Eu estava com medo e pensei em desistir da ideia, mas aquela coisa né “só se vive uma vez”, as pernas tremiam, o coração estava disparado e o google tradutor a todo vapor, lembrei do que havia dito alguns dias antes no grupo do WhatsApp com as minhas amigas “estou com medo, mas ainda bem que eu tenho coragem.”.
Coragem não é ausência de medo, é sobre “apesar de estar com medo eu vou mesmo assim”.
Sou fascinada pela relação coragem e medo, sempre que me deparo com alguma frase, dialogo em um filme ou podcast, anoto e reflito mais sobre esse fenômeno. Eu costumava ouvir muito “aprenda a controlar seus medos” “não tenha medo” “medo é para os fracos”, algumas dessas baboseiras de coach, que por um tempo realmente acreditava ser o correto, mas entendi que pra mim não funciona assim, acho que pra ninguém deve funcionar. Não quero ser controlada, eu quero viver de forma harmoniosa com ele, de preferência andando de mãos dadas, conversando cara a cara, olhando no olho do medo, ouvi-lo e compreende-lo, porque afinal, ele não me define, mas faz parte de mim.
O medo é uma peculiaridade inevitável da experiência humana. Robôs têm medo? Não acho que tenha, talvez o correto seria ao nos perguntarem se somos robôs ao tentar acessar um site, ao invés de marcar foto de caminhão, moto ou semáforo, deveriam perguntar “Qual seu maior medo?”. Digo isso porque o medo é a manifestação da nossa humanidade, a demonstração de que somos de pele, carne e ossos, e é o lembrete de que somos imortais.
Certa vez, enquanto procurava qual podcast ouvir, me deparei com um episódio novo do Bom dia, Obvious, cujo título do episódio tenho anotado em uma agenda e escrito em um post it grudado na minha parede, tudo isso pra lembrar e relembrar que: medo é uma reação, coragem é uma escolha.
O medo é uma reação aos estímulos externos, então não tem muito o que fazer quanto a isso, claro que alguns estimulam mais que outros, mas a coragem é uma escolha, ele é aquele pequeno espaço após ultrapassar a linha imaginária que nós construímos, o passo não precisa ser grande, mas ainda sim é grande, quando comparado ao lugar que você estava antes. Como na música Mais além do Nx Zero “só tem coragem quem tem medo”.
Qual a pior coisa que poderia acontecer? Essa foi a pergunta que minha amiga me fez quando eu compartilhei meu medo de não conseguir executar minhas novas atividades como copywriter e produtora de conteúdo usando a escrita como minha maior aliada. Bom, para quem não sabe, eu estou passando por uma transição de carreira e nesse momento são turbilhões de emoções ao mesmo tempo, desde as boas e as ruins, e é natural que eu questione meu desempenho e aquele medo de não dar certo, isso porque o motivo de eu estar me lançando nessa transição também foi de um medo de me arrepender de nunca tentar. Então “Qual a pior coisa que poderia acontecer?”, ao tempo que eu respondia essa pergunta eu me sentia mais aliviada, no final essa minha amiga perguntou “essa é a pior coisa que poderia acontecer então?” Fez parecer que tudo que eu falava não fosse nada demais e de fato não era nada demais.
Começar algo novo é desafiador e mais uma vez o medo é nosso companheiro nessa jornada, temos a sensação de que estamos largando algo seguro no qual já éramos bons, o que pode ser verdade, mas isso não é sinônimo de felicidade. Por isso eu pergunto é melhor ter medo de algo que pode dar errado, por isso eu não tento, ou medo de se arrepender de não ter tentado? Eu escolho a segunda opção que foi o que me impulsionou a tentar uma nova profissão, porque sempre há uma chance de dar certo, sempre.
Eu tenho uma lista de coisas que eu gostaria de fazer na vida e ao pensar sobre elas, quase todas tem ligação com algum medo meu e não foi proposital, mas são coisas nas quais tenho um desejo imenso de realizar, de viver e ver pelo menos uma vez na minha vida. Tenho um pouco de medo de altura, me da vertigem, mas meu sonho é pular de paraquedas, subir no monte Roraima, andar de asa delta.
Além disso, tenho medo de nadar no mar e em rio, não sei nadar, mas minha vontade é de um dia mergulhar em mar aberto, dar comida para tubarões e tirar foto fazendo pose de meditação enquanto eles nadam ao meu redor, sim, eu tenho tudo isso anotado na minha cabeça. Às vezes meu maior desejo, também é meu medo, talvez Freud explique.
Ainda bem que eu tenho coragem.
Pra quem não sabia contar gotas
Cê aprendeu a nadar
O mar te cobriu sereno
Planeta MarteSem ponto, sem virgula, sem meia, descalça
Descascou o medo pra caber coragem
Sem calma, sem nada, sem arLiniker
Quero realizar mais viagens sozinha, conhecer gente que fale outras línguas, quero ter mais incertezas, mesmo sabendo do medo que elas me causam. Quero ter coragem e disposição para continuar e também para desistir quando for a hora. Desistir também é para os corajosos, talvez eles sejam até mais que aqueles que permanecem no erro.
Para finalizar a newsletter de hoje, relembrar é viver.
Você já assistiu “Coragem, o Cão Covarde”? O desenho era transmitido no Cartoon Network, entre 1999 a 2010. O coragem é um cão rosa extremamente medroso, tudo que ele via na TV deixava ele apavorado e pela graça da narrativa, as coisas que ele mais temia, aconteciam com ele ou com pessoas próximas a ele. Haviam monstros, alienígenas, zumbis, cientistas loucos, tinha um pouco de terror, ficção cientifica, suspense e humor ácido. Ele sempre acabava no meio dos conflitos tendo que lutar pela sua vida e pela da sua família humana. O cão costumava entoar seu famoso bordão nessas situações nas quais levava ele a agir apesar do medo “ah, as coisas que faço por amor…”. Nesse desenho temos um cão extremamente medroso ponderando sobre o que seria seu maior medo, apesar de todas as criaturas que ele encontra, das lutas e dos machucados que ele ganhava, nada se comparava a ver sua família humana bem e viva.
Não há medo maior ou menor, há apenas medo, o que ocorre é uma valoração pessoal, no qual depositamos nossas expectativas e sentimentos, o que torna alguns medos potencialmente maiores que outros.
“A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.”
– Grande Sertão: Veredas, Guimarães Rosa.
😉 RECOMENDAÇÕES
Assista Coragem, o Cão Covarde na HBO MAX
Ouça episodio #168 do podcast Bom dia, Obvious
✍🏻 CONSIDERAÇÕES
Café com Açúcar foi criado com intuito de explorar o mundo por meio da escrita criativa, buscando nas entrelinhas o sentido das coisas.
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