#35 Do Ceará para Cannes, Karim Aïnouz
diretor e roteirista responsável por A Vida Invisível, Madame Satã, Praia do Futuro e entre outras obras
A newsletter Café sem Açúcar é compartilhada gratuitamente e enviada em todas às quintas-feiras. O intuito desse espaço é explorar o mundo por meio da escrita criativa, buscando nas entrelinhas o sentido das coisas.
Compartilho crônicas do cotidiano, reflexões sobre a vida a partir do meu olhar e minha experiência; comento sobre filmes, séries e livros.

Em 2019, estreou o filme A Vida Invisível. A comunidade de críticos de cinema não poupou elogios ao filme e as atuações dos atores. Já circulavam rumores sobre sua possível indicação para representar o Brasil no Oscar de 2020, embora nada estivesse confirmado, especialmente porque naquele mesmo ano, o filme tinha como concorrente Bacurau, do Kleber Mendonça.
Até aquele momento, eu não sabia muito sobre Karim Aïnouz. Eu não tinha o costume que tenho hoje de me aprofundar em diretores e roteiristas, assistir e estudar todos os seus filmes, claro que isso nasceu logo depois, e hoje se estende também pelo fato de eu estudar roteiro, mas foi em A Vida Invisível que encontrei Karim. Esse é aquele tipo de filme que continua a ressoar na mente mesmo quando você já saiu da sala de cinema, os sentimentos e sensações me acompanharam por alguns dias.
Passei aqueles dias que se seguiam pensando na história, nas personagens, e nos encontros e desencontros da vida. O filme me fez sentir quase a mesma dor que as personagens sentiram, aquela angústia de buscar o paradeiro de alguém que você ama, de alguém que é da sua família.
A história do filme se passa no Rio de Janeiro, na década de 1950, e segue duas irmãs que foram cruelmente separadas, em razão do conservadorismo e patriarcado da época. Ambas sonhavam com um futuro melhor, envolvendo arte. Não houve um dia sequer em que elas não tentaram se reencontrar. É um filme lindo e triste, mas incrivelmente bem escrito, dirigido e com um elenco maravilhoso, que inclui a talentosa Fernanda Montenegro.
Depois dessa experiência, busquei me inteirar mais do cinema de Karim e me apaixonei.
.
Karim Aïnouz é diretor de cinema e roteirista, nascido na cidade de Fortaleza/CE. Seus primeiros trabalhos foram como co-roteirista de Abril Despedaçados e Cidade Baixa. Karim esteve recentemente em um dos festivais de cinema mais prestigiados do mundo, responsável por premiar o melhor filme com uma Palma de Ouro. Essa foi sua segunda vez competindo no festival, trazendo consigo um filme Cearense, intitulado: Motel Destino. O filme tem previsão de estreia para novembro deste ano.
Em sua primeira vez competindo no festival, o diretor levou, em 2023, o filme Firebrand, filme 100% em inglês, protagonizado pela atriz Alicia Vikander (A garota Dinamarquesa e Ex Machina: Instinto Artificial) e o ator Jude Law (Amor Não tira Férias e Closer). O filme deve estrear nos cinemas brasileiros neste ano.
.
Karim Aïnouz tem a habilidade de contar histórias das profundezas do Brasil, trazendo à tona narrativas e personagens que soam por vezes familiares, e esquecíveis pela sociedade. É como se ele os trouxesse a luz, para todo mundo finalmente os ver. Suas histórias possuem sempre muita sensibilidade e profundidade, personagens reais movidos por paixões e raiva.

Em Cidade Baixa, onde Karim também assina o roteiro, o filme apresenta três protagonistas interpretados por Lázaro Ramos, Wagner Moura e Alice Braga. Os dois rapazes trabalham fazendo fretes com seu barco na cidade de Salvador, quando uma prostituta pede carona, oferecendo sexo em troca, um triangulo amoroso se forma.
A paixão entre os três protagonistas rapidamente se torna conflituosa, com os amigos competindo pela atenção da mulher, que parece não ter um favorito.
Como em todos os roteiros de Aïnouz, as histórias são cheias de paixão e violência. E há sempre uma dimensão política, abordando temas como pobreza, questões de classe e gênero.
Sua estreia como diretor em um longa-metragem foi com o filme Madame Satã (2002), baseado na história real de João Francisco dos Santos. Conhecido pelo nome que dá título ao filme, João era um transformista que frequentava a vida noturna e marginal da Lapa carioca no século XX. Ele foi preso inúmeras vezes por roubo e assassinato.
Lázaro Ramos interpreta Madame Satã, entregando uma atuação forte e sensível, retratando um homem preto e homossexual que vivia constantemente com raiva, sem entender completamente o motivo daquilo que o acompanhava.

Em 2006, estreou O Céu de Suely, uma história ambientada no interior do Ceará. O roteiro foi uma colaboração entre grandes nomes como Karim Aïnouz, Felipe Bragança e Mauricio Zacharias. Hermila, interpretada pela atriz Hermila Guedes, é uma jovem de 21 anos que retorna à sua cidade natal, com seu filho, Mateuzinho. O pai da criança ficou em São Paulo, prometendo que logo se juntaria a família
O tempo passa e o pai da criança não retorna. Hermila desesperada para deixar aquele lugar, tem uma ideia um tanto quanto inusitada: rifar seu próprio corpo para conseguir dinheiro suficiente para comprar passagens de ônibus e começar uma nova vida em outro lugar.
Em 2009, estreou Viajo Porque preciso, volto porque te amo, dirigido e roteirizado por Marcelo Gomes e Karim Aïnouz. O título eu considero um dos mais bonitos do cinema.
O filme conta a história de um geólogo, cujo rosto nunca é mostrado, que foi enviado para uma região isolada no nordeste, para fazer pesquisas e o levantamento de fontes de água. Durante a viagem, ele reflete sobre amor e solidão, revelando rancores e dores de um antigo relacionamento que ele não consegue esquecer, mas também não deseja lembrar. No decorrer da viagem ele interage com diversas pessoas na estrada.
A sensação que tive nesse filme foi de ouvir um homem recitar um poema de mais de uma hora.
Em um momento do filme, o geólogo entrevista uma moça que trabalha em uma boate, e desse encontro surge um diálogo bonito, do qual transcrevo alguns trechos:
eu queria mesmo era ter uma vida lazer pra mim e minha filha e mar nada.
Mas o que é uma vida lazer?
Uma vida lazer é assim, eu na minha casa, eu e minha filha, o companheiro que eu tiver ao meu lado, pra esquecer esse momento todos, porque não da certo, é triste uma pessoa gostar sem ser gostada
E tu queria ter um amor?
E como eu queria.

Em 2014, Karim dirigiu e co-escreveu o filme Praia do Futuro. A história acompanha Donato, interpretado por Wagner Moura, que trabalha como salva-vidas. Um dia ele resgata um alemão de olhos azuis com quem se apaixona e vive um romance. Esse encontro transforma completamente sua vida. Anos depois, seu irmão, que sempre admirou Donato, viaja para Berlim em busca do irmão que partiu.
Karim dirigiu e escreveu muitas outras obras ao longo de sua carreira e continuará certamente a contribuir com seu olhar sensível. Ele tem uma capacidade única de captar as dores e desejos humanos, mostrando como as pessoas movidas por amor, paixão, família e política, podem fazer qualquer coisa.
✍🏻 CONSIDERAÇÕES
Café com Açúcar foi criado com intuito de explorar o mundo por meio da escrita criativa, com o compartilhamento de pequenas crônicas e o textos sobre filmes, séries e livros.
Se inscreva para receber em primeira mão meus textos novos.
👀 LEIA TAMBÉM
#31 Analisando uma obra sob a perspectiva do tempo
🫶🏻
Eu amei essa edição!
Vou assistir todos os filmes citados.