#27 Não podemos dar a nós mesmos mais uma chance?
precisamos arriscar, falar, ouvir e viver a fossa se for necessário
A newsletter Café sem Açúcar é compartilhada gratuitamente e enviada em todas às quintas-feiras. O intuito desse espaço é explorar o mundo por meio da escrita criativa, buscando nas entrelinhas o sentido das coisas.
Compartilho crônicas do cotidiano, reflexões sobre a vida; comento sobre filmes, séries e livros.
“Viver é rasgar-se e remendar-se.” - Guimarães Rosa
1.
Em pé diante do que me fazia arrepiar os pelos do corpo, senti amor e tristeza na mesma proporção. Abracei forte como quem não quer largar nunca, como quem sente saudade, ou como quem está prestes a se despedir eternamente de alguém. Seguro cada dose de lágrima para derramar em outro momento oportuno, porque naquele momento eu queria sorrir. Digo algumas palavras, ouço algumas outras. Não há promessas, nenhuma certeza ou incertezas. Abraço novamente, dessa vez sentindo o rosto colado ao meu. Me afasto, deixo ir. Vejo o último vislumbre do rosto da pessoa, um sorriso e um tchau misturado com um adeus e um até logo. Quando perco de vista, me viro e choro copiosamente, até soluçar, sinto cada pedaço do meu corpo, ouço a voz embargada, o nariz começar a escorrer. Naquele momento eu entendi, a gente meio que morre de amor, mas continua vivendo, ainda mais quando não é correspondido.
2.
“Relacionamentos” é o assunto mais comentado entre mim e meus amigos, seja por WhatsApp ou pessoalmente, a gente sempre volta nisso, tenta destrinchar alguns comportamentos comuns dos outros, algumas falas, sempre há aquela dúvida sobre “será se ele/ela está interessado em um relacionamento sério?”. A maioria sabe muito bem o que quer, se quer namoro, ter filhos logo, casar na igreja, ficar solteiro por mais um tempo.
As dúvidas são diversas, nos questionamos se existe tempo certo para que o outro defina o que quer “Estamos ficando há dois meses, acho que da para ele ter noção do que quer”.
Ou será que devemos calcular um relacionamento baseado em tempo ou intensidade? “Ficamos juntos todos os finais de semana”.
Será se existe algum parâmetro para determinar o quão sério uma relação está? Talvez se calcular quantas vezes saíram para jantar, ou quantas vezes transaram, e se o sexo foi bom de primeiro ou se melhorou a partir da segunda, ou se fizeram muito ou pouco sexo. Será se precisamos já ter planos estabelecidos? Planejar viagens? Querer as mesmas coisas? Ele é ambicioso? Ela quer ter filhos?
Há quem no primeiro momento deixa claro que não quer nada sério, e o outro que aceita isso numa boa no primeiro momento jura que não vai se apaixonar, porque já sabe que não tem futuro. Tem quem realmente se adapta bem e consegue ficar só na “ficada” ocasionalmente. Tem o próprio individuo que disse que não queria nada e mudou de ideia no meio do caminho.
Existe mesmo essa coisa de ficante sério? Ficante plus? Peguete ou enrolete?
Quando foi que as coisas ficaram complicadas? Ou será porque antigamente nos submetíamos a ficar em relacionamentos ruins porque não havia “outra opção” e porque o mundo era conservador, e precisávamos ficar com uma só pessoa para o resto de nossas vidas, aceitando tudo sem reclamar?
Alguém poderia criar um manual de instruções para facilitar aí.
3.
Um dia você leva um não, no outro é você quem dá um não.
Há uns meses ouvi algo que me deixou arrasada, não que eu já não suspeitasse, mas ainda assim, ouvir doí! Vivi meu luto, afinal, é um tipo de luto, ninguém quer ser rejeitado, não desejamos que as coisas acabem, principalmente aquilo que um dia foi ótimo. Queremos prolongar o máximo possível dos momentos e sentimentos com alguém, mas infelizmente, tem coisas que não nascem para começar, ou que nascem para durar pouco tempo.
Ao tempo que me curava, um colega de trabalho após me ver na rua durante o carnaval veio tentar a sorte e perguntar o que era preciso para sair comigo, e eu disse que não havia problema nenhuma, mas “não crie expectativa”. Não gosto de tentar decifrar as coisas, interpretar sinais, mas eu já suspeitava que ele tinha interesse em mim, então eu precisava deixar claro, a resposta dele foi boa: “óbvio que eu só saio com expectativa”. É, eu deveria ser mais sincera quanto a isso, porque não tem como não ter expectativa em relação ao outro, podemos até tentar ameninar a dose, mas não da para viver sem.
O rapaz continuou dizendo “eu não te entendo, você age de tal forma, mas não quer nada”. Isso me deixou pensativa: como agi? O que deixei a entender? Mais uma vez os sinais que tentamos interpretar e que nos matam lentamente… Deixei bem claro que não dei nenhum sinal, se ser gentil, conversar bastante e rir com a pessoa é dar sinal, então lascou. E ele respondeu: “eu me iludo então”. Sim, eu e você já nos iludimos, e talvez aconteça mais vezes do que imaginamos.
“A imaginação causa mais sofrimento do que a realidade em si.”
Li essa frase recentemente enquanto vivo minha fossa. Analisando minhas últimas experiências, reconheci que não gosto dessa ideia de tentar adivinhar o que o outro quer, o que é preciso para determinar se é namoro ou não, se a pessoa está interessada ou não, me dói os nervos, gastar energia tentando criar teorias sobre o que determinada fala significa, o que determinado comportamento significa, ou até mesmo, o que significa aquele silencio? Aquela mensagem não enviada? Aquele convite não feito? Resolvi perguntar mais vezes, independente do que vão pensar, se parece emocionada demais, ou independente da resposta, se contraria aquilo que eu gostaria de ouvir.
Nesses momentos eu tento lembrar do filme Ele não está tão afim de você (comedia muito boa inclusive, com um ótimo elenco), para realmente entender que talvez seja isso mesmo que está acontecendo, ele não está tão afim, mas parece até que existe um diabinho dizendo “mas talvez ele sinta e não diga nada”.
“Deduzir menos, conversar mais.”
Eu estou tão cansada de tentar adivinhar as coisas, tentar encontrar sinal onde não tem, e se tem, não sei o que isso significa. Passamos horas contando nossos casos para as amigas, e no fim nunca tem resposta exata, porque realmente não existe resposta exata. Precisamos de clareza, eu preciso de clareza, eu sei que nem sempre sou clara também, mas a gente precisa tentar.
4.
Às vezes falamos que não queremos nada no início, mas depois estamos mergulhados naquilo que havíamos jurado evitar. Subestimamos nosso coração, nossa mente e nosso corpo. Eu lembro de estar vivendo um dos melhores finais de semana da minha vida, com alguém novo e incrível, e eu dizia que estava curtindo o momento, mas que tinha plena consciência de que aquilo não duraria, e que nossas vidas seguiriam em frente, pois não havia perspectiva, as chances eram mínimas. Meses depois eu estava tão arrasada, me subestimei, pensei que conseguiria aceitar aquele momento apenas como um momento que deveria durar o tempo que durou, mas é isso, a gente quer sempre prolongar as coisas gostosas, ao invés de só aproveitar enquanto elas estão ali, acontecendo.
Existe uma certa confusão, normal, de que precisamos iniciar algo já sabendo se quer ou não algo mais sério, se aquilo tem cara de que vai durar ou não. Nós mudamos o tempo inteiro, pode ser que estejamos super animados no início, e depois não queiramos mais. Pode ser que inicie algo pensando em ser só uma ficada, mas no meio do caminho se apaixona e muda de ideia. A verdade é que não da para prever nada. Não existe uma bola de cristal que vai dizer se você vai se apaixonar ou não. O horóscopo não vai dizer se o outro quer algo sério com você.
Eu e algumas amigas ouvimos o episódio “Como superar um quase algo?”, do podcast Bom Dia Obvious. E no final eu cheguei a conclusão da Dilma Rousseff, que possui uma das frases mais icônicas da internet: “Não acho que quem ganhar ou quem perder, nem quem ganhar nem perder, vai ganhar ou perder. Vai todo mundo perder.”
Brincadeiras a parte, não tem formula secreta, manual de instruções. Não tem signo que responda por nós e pelo outro. Não tem grupo de amigas que dê jeito, nem livros e cursos sobre relacionamentos, o lance é tentar, conversar, quebrar a cara, talvez, ralar uns joelhos, só vivendo para saber. Precisamos pagar para ver.
“Deduzir menos, conversar mais.”
Eu já deduzi muitas coisas, e provavelmente farei isso mais vezes, é tão natural quanto a luz do dia. Criar expectativas é normal, idealizar nem que seja um pouquinho, também é normal. Somos seres humanos, e sentir faz parte da experiência humana.
Há uma frase retirada do episódio que comentei do podcast que diz: “me liberte da dúvida e me permita viver a fossa de você.”
Prolongamos a dúvida, os relacionamentos não muito bons, inventamos sinais, só para não ouvirmos em alto e bom tom uma rejeição. Ninguém deseja ser rejeitado, mas em algum momento da vida, seremos rejeitados ou já fomos rejeitados. Realmente, isso causa uma dor tremenda, dói em partes do nosso corpo que nem sabíamos, mas passa. Pode demorar um pouco, mas passa. A vida não é só alegria, e é a partir da tristeza que crescemos e nos transformamos.
A fossa é um péssimo lugar para se estar, é verdade, mas significa que estamos vivos, somos de carne e osso, sentimos coisas, vibramos e choramos por elas. A vida é um risco, que vale a pena. Eu aceito viver minha bela fossa de tristeza e expectativas, e a partir dela usarei cada gota de lagrima para nutrir minhas raízes.
Isso me faz lembrar de Elio do filme Me Chame Pelo Seu Nome, quando viveu um romance com outro homem mais velho durante as férias de verão, e tudo parecia ser eterno e incrível demais. Ele era jovem demais e esse era provavelmente seu primeiro amor. Dói o fim. E é nesse momento que nasce um dos meus monólogos favoritos do cinema, tenho alguns na lista e esse ecoa em minha mente sempre que vivencio uma nova paixão.
Como você vive sua vida é da sua conta. Só lembre-se… Nosso coração e nosso corpo nos são dados apenas uma vez. E antes que perceba seu coração está esgotado. E seu corpo chega a um ponto que ninguém olhará para ele. Muito menos querer chegar perto dele. Nesse momento você sente trizteza, dor. Não as mate. Muito menos a felicidade que você sentiu.
Arrancamos tanto de nós para nos curarmos mais rápido das coisas que ficamos falidos aos 30 anos. E temos menos a oferecer a cada vez que recomeçamos com uma nova pessoa. Mas se fazer insensível para não sentir nada? Que desperdício.
5.
Lembro-me de quando aprendi a andar de bicicleta. No início, foi difícil. Eu caía várias vezes e quase desisti. Então, após muitas tentativas, consegui andar meu primeiro metro sem cair. Depois disso, comecei a praticar mais vezes, mas às vezes caía feio no asfalto. Meu joelho ficava ralado e sangrava. Minha mãe sempre dizia para eu parar com isso, caso contrário, ficaria com cicatrizes feias nas pernas. Mas eu não ouvi. Continuei praticando, mesmo que isso significasse cair mais vezes. Hoje, tenho várias cicatrizes no joelho, algumas pequenas, outras maiores.
Hoje, quando olho para os meus joelhos, vejo as marcas que o tempo deixou. Às vezes, até esqueço que estão lá. Mas quando me lembro delas, gosto de tocá-las, lembrando-me que na época havia doído muito. Agora vejo essas marcas como lembranças de uma juventude cheia de aventuras e experiências.
Assim como as cicatrizes dos meus joelhos, os amores também deixam marcas. Algumas desaparecem rapidamente, enquanto outras ficam como cicatrizes, lembrando-nos das experiências vividas. Às vezes, essas marcas nos assustam, nos fazem pensar duas vezes antes de tentar novamente algo novo. Mas mesmo depois de ter me machucado, continuei a me arriscar, a buscar novas experiências, a amar novamente.
Porque, no final das contas, tudo passa. As dores, as marcas, as cicatrizes. O importante é continuar e nunca desistir do amor. Depois que li o livro da Bell Hoolks “Tudo sobre o Amor”, minha visão mudou muito. O amor por si só já é reciproco, ainda que não correspondido pelo outro, e faz bem sentir.
Como na música Under Pressure, do Queen e David Bowie (estou viciada nessa música por causa do filme Aftersun)
Não podemos dar a nós mesmos mais uma chance
Can't we give ourselves one more chance
Por que não podemos dar ao amor mais uma chance?
Why can't we give love that one more chance
Por que não podemos dar amor?
Why can't we give love?Porque o amor é uma palavra tão fora de moda
'Cause love's such an old fashioned word
E o amor te desafia a se importar com
And love dares you to care for
As pessoas na beira da noite
The people on the edge of the night
E o amor desafia você a mudar nosso modo de
And loves dares you to change our way of
Nos preocupar com nós mesmos
Caring about ourselves
Esta é nossa última dança
This is our last dance
✍🏻 CONSIDERAÇÕES
Café com Açúcar foi criado com intuito de explorar o mundo por meio da escrita criativa, buscando nas entrelinhas o sentido das coisas.
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😉 RECOMENDAÇÕES
Assista:
Me chame pelo seu nome disponível na Netflix
Ele não está tão afim de você disponível no MAX
Aftersun disponível na Netflix
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esse monólogo de "me chame pelo seu nome" é... forte. do tipo de coisa que reverbera e que é sempre bom lembrar.
não gosto de "ter que" tentar advinhar as coisas também. não gosto do indefinido. e aí também aprendi a perguntar e, vez ou outra, tive como resposta silêncios eternos que ainda não sei dizer se doeram mais ou tanto quanto um "não" que eu não queria ouvir/ler. ainda estou nesse sentir...
Estou lendo A Idiota e seu texto casou tão bem com o momento da leitura.
Dores de amor nos dilaceram, mas senti-las é a prova de que estamos vivos.
Obrigada!