#34 Aos dias ordinários
Rotina como um proposito de vida? Um encontro com a paz? O tédio é parte da rotina.
A newsletter Café sem Açúcar é compartilhada gratuitamente e enviada em todas às quintas-feiras. O intuito desse espaço é explorar o mundo por meio da escrita criativa, buscando nas entrelinhas o sentido das coisas.
Compartilho crônicas do cotidiano, reflexões sobre a vida a partir do meu olhar e minha experiência; comento sobre filmes, séries e livros.
Acordo quando o sol está prestes a dar as caras. Há dias que o céu amanhece rosa, em outros, amarelo, por vezes nublado. Meu despertador fica na mesa, para quando tocar às 6 da manhã, eu seja obrigada a me levantar para pegá-lo. Essa tem sido minha rotina há três anos, quando decidi que para ter mais tempo para estudar para OAB e concurso, eu teria que acordar mais cedo.
Levantar da cama no outono e inverno é difícil, e nesses últimos dias tenho tido mais preguiça do que o normal. O despertador toca, eu coloco apenas uma perna para fora da cama, me inclino e pego o celular, trago para junto de mim e adio o despertador. Há três semanas alterei o horário para despertar, coloquei 5:55 da manhã só para poder adiar e não perder tanto tempo, acontece que não está adiantando muito. Nem parece a mesma pessoa que no ano passado acordava as 5:50 e ia para a academia nesse horário.
Às vezes sinto falta de acordar com o sol de verão. O mesmo que me faça fechar as janelas e cortina porque é tão forte que me acorda antes do despertador.
E então, após finalmente me levantar, começo a minha rotina, como na música de Chico Buarque: todo dia ela faz tudo sempre igual.
Levanto, coloco água na chaleira e começo a lavar a louça da noite anterior. É nesse momento que eu me arrependo de não ter lavado a louça antes, pois isso me pouparia tempo enquanto preparo meu café. Todavia, não lavo a louça a noite porque o tempo que me resta gosto de usá-lo lendo algum livro ou finalizando algum trabalho. Se continuar assim, estarei fadada a lavar a louça pela manhã por mais tempo do que gostaria.
Lavo a louça, coloco-as no escorredor da forma mais bagunçada possível para minha mãe implicar comigo como sempre. Coloco o coador na garrafa de café, depois o filtro e algumas colheres de café. Até hoje não sei qual é a quantidade ideal de pó de café, às vezes meu café fica muito forte, às vezes muito fraco. Depois despejo aos poucos a água quente da chaleira. Enquanto desce a água, pego a frigideira de sempre para preparar ovos mexidos. Pego uma ou duas fatias de pão de forma da bauducco, porque enjoei das outras marcas. Esquento o pão ou em uma frigideira, ou na sanduicheira. Pego a xícara de café de sempre e coloco quase sempre a mesma quantidade de café sem açúcar. Às vezes, quando estou muito enjoada de comer pão, faço tapioca com ovo e queijo.
Raramente tomo café com leite, pois, embora eu seja uma pessoa intolerante a lactose que ignora completamente esse rotulo e continua comendo tudo que tem lactose, o leite de caixinha -ainda que esteja escrito que ele é sem lactose-, me faz mal. Então, não é com frequência que bebo, e se por acaso você for intolerante e toma leite sem lactose, saiba que ainda assim ele tem uma enzima lá com lactose, então não tem como fugir da lactose, exceto se você se submeter a beber leite de amêndoas ou arroz.
Ainda no processo de fazer meu café da manhã, coloco às vezes o podcast do The News para ouvir, mas ainda assim prefiro o silêncio total que só é possível desfrutar no horário das 6 até as 7:50 da manhã. Nesse tempo, eu tento fazer o mínimo possível de barulho, não para evitar que alguém acorde, mas porque eu detesto barulho pela manhã. Eu tenho tanta agonia que nem sequer puxo a descarga de manhã cedo, porque o barulho me incomoda. Meus amigos provavelmente irão ler isso e falar que é mentira, mas é porque quando eu estou viajando com amigos, de fato isso muda um pouco, e os acordo com barulho.
Depois de ter finalmente tomado meu café e comido meu pão com ovo, vou para o meu quarto ler algumas páginas de algum livro, eu geralmente tenho dois ou três livros como opção. Comecei essa rotina de ler pela manhã antes de fazer qualquer atividade, porque by boatos que ajuda a estimular a criatividade e torna o dia mais produtivo. Não que não funcione, acho ótimo, mas não é milagroso.
Ano passado, a essa altura, eu não leria um livro pela manhã, na verdade, eu nem tomaria café na cozinha, eu o levaria para tomar na minha mesa do quarto enquanto meu computador ligava e nisso, tentaria adiantar o que eu fosse estudar. A vida de concurseira não era fácil, e sinceramente, não sinto falta. Ainda estudo muito sobre outras coisas, mas sinto muito mais prazer e menos pressão agora, do que antes.
Depois da leitura, inicio minhas atividades que consistem ou em estudar sobre algum assunto, ou em executar alguma tarefa como freelancer. Costumo ir à academia às 8 da manhã, e depois retorno a essas atividades anteriores. Faço aulas de inglês duas vezes na semana, costumo fazer nas terças e quintas. No período da tarde trabalho em um órgão público, elaborando pareceres jurídicos como residente -uma espécie de estagiária só que graduada em direito já-, tem sido horrível conciliar isso com a nova carreira na qual estou investindo. Não aguento mais fazer parecer de pedido de revisão de pensão alimentícia.
Às vezes minha rotina começa a me entendiar, fico pensando quando vai surgir uma nova aventura, algo diferente do que já costumo fazer. Resolvi que daqui por diante, nos meus dias de home office, tentarei trabalhar em algum outro lugar, como a maioria das pessoas que trabalham online, arrumar um café para roubar internet.
Quando me sinto sufocada pela minha rotina tento fazer algo diferente, como mudar a rua que costumo passar todos os dias, ou comer tapioca ao invés de pão, andar sem ouvir música, mudar o horário da academia, ir correr a noite ao invés de dia, mas ainda assim, quando tento mudar de rotina, continuo inserida nela, porque até mesmo esse desvio é parte da rotina de sair da rotina.
Às vezes me sinto parada no tempo, fazendo todo dia o mesmo, mas é aquela coisa da vida adulta, a rotina, o cotidiano, as obrigações, boleto. Quando se é adolescente tudo é muito intenso e tudo vira um acontecimento. Agora, as emoções não são mais as mesmas, não com a mesma intensidade. Porém, uma das melhores maneiras de se encontrar paz, é nesses dias ordinários.
Eu moro com a minha mãe e meu padrasto, e eles fazem a mesma coisa todos os dias. Proferem as mesmas palavras, reclamam das mesmas coisas e riem da mesma piada todo santo dia. Costumo fazer piada disso, porque é sempre o mesmo roteiro, a mesma coisa nos finais de semana, as mesmas dúvidas, os mesmos receios, as mesmas lamentações. Minha mãe costuma fazer o almoço de segunda a sexta-feira, e sempre quando fica pronto meu padrasto não está em casa, porque está na academia, e ela reclama todos os dias sobre o fato dele não estar em casa na hora do almoço. Eu pergunto como eles insistem em falar da mesma coisa sempre, e eles não ligam, olham um para o outro e soltam uma risada. Olho para eles e eles parecem estar bem e felizes assim. Talvez seja isso, por que mudar se está dando certo? A rotina pode proporcionar um certo tipo de paz.
Lembrei de um filme, Dias Perfeitos, com produção japonesa e alemã, indicado ao Oscar na categoria melhor filme estrangeiro, cujo protagonista acorda todos os dias no mesmo horário, toma a mesma bebida, pega o seu carro e vai para o trabalho, que consiste em limpar banheiros públicos. Ele almoça sempre no mesmo parque, se senta no mesmo banco, sorri olhando para o céu e tira a mesma foto todo santo dia. No caminho de casa, coloca alguma de suas fitas e ouve alguma música cuja letra não conhece, muito menos sabe a tradução. Em casa rega as plantas e lê um livro antes de dormir. Tudo isso costuma se repetir, porém, em determinados momentos sua rotina é invadida por algum jovem, que sempre o coloca em situações que não costuma ou evitar vivenciar. A mudança o incomoda um pouco.
A rotina, por mais que seguida em seus mínimos detalhes, não consegue ser linear, porque a vida não é linear. Nada é linear. Tem dias que o sol nem aparece, tem dias que seu corpo acorda mais cansado, tem dias que alguém se esbarra em você e derruba alguma coisa.
É importante valorizar esses dias que parecem banais de tão ordinários e irrelevantes. Valorizar os acontecimentos corriqueiros, os inesperados, os que não garantem absolutamente nada. Alguns desses dias podem mudar nossas vidas.
Eu entendo que para alguns, a rotina poderia ser a salvação. Ninguém quer viver em um caos sem precedentes, ou ser engolido por alguma catástrofe que te tira do comum e te faz viver o que parecia impossível. A rotina pode incomodar se você não souber porque faz o que faz. De vez enquanto, é bom lembrar os motivos que te fizeram tomar as decisões que te colocaram nessa rotina atual.
Nesses dias de tédio sinto falta de fazer uma viagem. De arrumar uma mala, ir para o aeroporto e esperar o horário de embarque. E eu sei que quando eu estiver viajando, vou ficar desejando voltar para minha rotina.
✍🏻 CONSIDERAÇÕES
Café com Açúcar foi criado com intuito de explorar o mundo por meio da escrita criativa, com o compartilhamento de pequenas crônicas e o textos sobre filmes, séries e livros.
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Fiz a leitura antes de iniciar o expediente e encontrei outras semelhanças além do trabalho rs. Muito bom!
Amo rotina! Acho que elas trazem uma paz, um senso de segurança e de disciplina incrível. Como você, quando viajo, sinto saudade dela hahaha e aí vejo o quanto ela é importante, apesar do tédio - que é normal. Adorei saber mais sobre a sua <3