A newsletter Café sem Açúcar é compartilhada gratuitamente e enviada em todas às quintas-feiras. O intuito desse espaço é explorar o mundo por meio da escrita criativa, buscando nas entrelinhas o sentido das coisas.
Compartilho crônicas do cotidiano, reflexões sobre a vida a partir do meu olhar e minha experiência; comento sobre filmes, séries e livros.

A TV era quadrada, com um tubo comprido atrás e bombril na ponta das antenas. Era preciso manuseá-las para que a imagem ficasse nítida e o chiado acabasse. Só assim eu conseguiria enxergar com precisão uma mulher negra fazendo acrobacias em uma plataforma. Eu ouvia “duplo twist carpado”, o que até hoje não compreendo bem o significado, eu só sei que o que eu via era uma pessoa de estatura baixa, magra, usando uma espécie de maiô, dando piruetas, giros e mortais.
Certa vez, subi no apoio de braço do sofá e dei um salto, abrindo as pernas, em homenagem àquelas meninas mulheres da ginástica. Subia na parte superior do sofá tentando me equilibrar, fingindo que era a prova de trave. Não tive coragem suficiente para tentar movimentos bruscos. Ainda que muito nova, sabia das consequências de tentar algo no qual não era profissional.
Me contentava em fazer “estrelinha”. Fazia várias. Todas tortas e desengonçadas.
Daiane dos Santos era o nome da minha inspiração. Queria ser atleta da ginástica. Queria dar saltos como Daiane dava. Olhava todas aquelas meninas, aqueles saltos, parecia fácil pela TV.
Ensaiei algumas vezes minha entrada para a prova de solo. Ergui os braços, uma das pernas ficava esticada e a outra na ponta do pé como uma bailarina. Cumprimentava a plateia invisível e iniciava minha jornada. Os movimentos eram feitos com cautela. Não havia piruetas ou mortais, mas havia dança, levantamento de perna, ponta dos pés e um desejo genuíno de ser como elas ou ela.
Quando se é criança, você imita quem você gosta, admira ou quer ser igual. É genuíno. Quando se é criança, tudo parece possível. Eu achei que pudesse ser uma atleta da ginástica artística, mas não fazia ideia do que era preciso para conseguir isso e duvidava muito de que tivesse algum lugar para treinar em Manaus.
Cresci assistindo às olimpíadas, que considero ainda melhor do que a copa, embora goste de acompanhar os dois. Minha parte favorita sempre foi e continua sendo a da ginástica. É impressionante o que um corpo é capaz de fazer. Nós temos a capacidade de fazer coisas extraordinárias se nos propusermos a treinar e treinar.
As olimpíadas são um período de pura nostalgia para mim, porque me faz lembrar de quando estudava no ensino médio e jogava futsal. Participei de alguns torneios e campeonatos. Mas havia um em específico, que primeiro você competia com as escolas da sua cidade e os finalistas iam competir no estadual.
Era tão gostosa a sensação de pertencer a uma equipe. Íamos aos eventos, aberturas dos campeonatos. Usávamos nossas camisas, andávamos no ônibus que a escola disponibilizava para a equipe. Nosso treinador sempre por perto e alguns amigos que nos acompanhavam.
Lembro que, no último em que competi, fomos até o espaço onde todas as equipes de todas as modalidades de esporte se encontravam para almoçar ou jantar. Era um grande pátio, cheio de pré-adolescentes. Se aquilo era tão incrível, imagina uma olimpíada.
Meu tempo como jogadora durou pouco. No ensino médio tentei continuar, mas os treinos eram de noite, a escola nova era longe e era muito perigoso ir para casa tão tarde; precisaria pegar ao menos dois ônibus, o que também custaria dinheiro, não só para o transporte, mas para a alimentação, já que teria que ficar na escola depois da aula.
Mas o tempo que tive me ensinou muito e tenho muito orgulho de ter vivenciado isso. Eu vestia a camisa 10. Eu não era uma Marta da vida, quem dera fosse, mas jogava bem.
Fui nomeada a capitã do time. Confesso que não me recordo como isso aconteceu, mas eu vesti de fato a camisa de líder e fiz o que tinha que ser feito como líder. As jogadoras eram escassas, as melhores estavam no time do ensino médio e nós eramos as novinhas do fundamental. Precisei ir de porta em porta recrutar meninas, com ajuda de outras que tinham a mesma fome de bola. Precisei persuadir as novas a se juntar à causa. Havia um problema que era a falta de goleira, ninguém queria ser do gol, então sobrou para mim exercer essa função, na qual fui exerci da pior maneira possível, mas, como eu fazia tudo pelo time, me esforcei.
Eu fui uma espécie de coach. Quando o time estava desanimado, tentava enchê-las de frases de efeito, mensagens motivacionais, tentei dar o meu melhor naquele momento, até porque eu queria jogar e, nesse caso, não existe jogar sozinha, você precisa da equipe.
Os dias de campeonato eram os mais tensos. Nunca fui de arrumar briga, na verdade, sou extremamente medrosa. Já algumas meninas, era preciso segurá-las para não avançar em outras. A mais briguenta era a menor e mais nova. Nessa época, tínhamos entre 11 a 14 anos.
Nunca fui competitiva. Dava tudo de mim, ficava triste, mas aceitava bem o resultado. Gosto de incentivar e ser incentivada, mas nada de sangue nos olhos. Tiro, porrada e bomba. Eu me divertia à beça e isso era o que importava. Títulos todo mundo quer, eu queria, imagina só um troféu? Mas eu me contentava com a experiência.
Esporte tem essa beleza.
Quem teve a oportunidade de vivenciar isso vai entender bem. É gostoso, difícil, mas extraordinário. O esporte é muito maior do que a competição com o outro, até porque a competição mais acirrada é consigo mesmo, tentando se superar, tentando melhorar. É preciso um pouco de humildade, mas também de autoestima e confiança.
Já dizia Platão e Aristóteles, a ginástica, como eles chamavam a prática de exercícios, é fundamental para o desenvolvimento humano, para desenvolver nossas virtudes e nossa disciplina.
Atualmente me limito à academia e à corrida. Estou com um desafio novo, o qual quero completar em novembro deste ano. Talvez uma meia maratona? Vamos ver.
As olimpíadas começaram e já estou preparada para procrastinar minhas obrigações e não sair mais da TV.
Inclusive, indico acompanhar o
que está fazendo uma cobertura completamente diferente das olimpíadas. Ele, que é de Santa Catarina e mora atualmente em Paris, está fazendo uma espécia de cobertura literária dos Jogos de Paris. Estou ansiosa.✍🏻 CONSIDERAÇÕES
Café com Açúcar foi criado com intuito de explorar o mundo por meio da escrita criativa, com o compartilhamento de pequenas crônicas e o textos sobre filmes, séries e livros.
Se inscreva para receber em primeira mão meus textos novos.
Que legal saber dessa sua história com a Daiane 🥹❤️ quando criança, sonhava em ser ginasta por causa dela também. Fazia piruetas, dava estrelinhas e levava o colchão pra fora de casa pra ficar pulando em cima da grama. É incrível ver que uma geração foi inspirada por ela!
eu raramente assisto esporte na vida, mas olimpíadas e copa têm um clima diferente… vejo até os esportes dos quais nunca tinha ouvido falar.