#16 Filmes que incomodam
alguns filmes provocam reações e sensações perturbadoras, nem sempre esses filmes são ruins, eles só são difíceis de digerir
Ao assistir a um filme é importante que entreguemos o melhor de nós durante aquelas horas sentados ouvindo e vendo uma história ter início, meio e fim. É necessário deixar o filme entrar. E às vezes corremos o risco de sermos arrebatados com a história e o significado dela.
Há filmes que arrancam de nós as melhores risadas, algumas lagrimas, nos provocam uma dor devastadora, ânsia de vômito, angustia e medo.
Antes dele virar um filme, ele é uma ideia que surge na mente de um roteirista, e esse profissional extraordinário e nem sempre valorizado irá criar narrativas e personagens o mais próximo possível da nossa realidade, o mais humano e imperfeito. Todo personagem tem algum defeito, algum sonho, segredo ou arrependimento. Além disso, toda história é sobre personagens em conflito. O roteirista se baseia muito em suas próprias vivências, na sua personalidade, suas próprias características ou ainda, sobre alguém próximo dele/dela. É natural nos enxergarmos em determinados personagens, porque eles são criados por um humano com base no que há de mais humano em nossa humanidade: nossos defeitos.
Na vastidão do nosso universo cinematográfico, há filmes que transcendem as fronteiras da narrativa tradicional, os quais não só desafiam a nossa compreensão, mas também a zona de conforto do espectador. Esses mesmos filmes são capazes de se infiltrarem em zonas pouco habitadas da nossa mente, áreas até mesmo sombrias que muitas das vezes ignoramos sua existência. Eles despertam dúvidas e provocam reações intimamente humanas.
Alguns desses filmes que descrevemos como perturbadores, são muitas das vezes como espelhos virados para a nossa própria vulnerabilidade. Ao contrário das obras cinematográficas que buscam apenas entreter o público, eles cutucam feridas emocionais, nos fazendo questionar nossas crenças e limites.
Tive uma experiência perturbadora ao assistir Laranja Mecânica na aula de criminologia. Dirigido pelo visionário Stanley Kubrick, o filme é um mergulho perturbador nas profundezas da violência e da natureza humana. A narrativa gira em torno de Alex DeLarge e de seu grupo de amigos delinquentes, que desafiam não apenas as normas sociais, mas também as fronteiras do que é considerável moral. O estilo escolhido para o filme, a trilha sonora e toda a atmosfera criada me deixou extremamente desconfortável e enjoada. Isso não significa que o filme é ruim, talvez ele tenha alcançado o objetivo dele, até porque não é um filme fácil de agradar o público, mas traz boas reflexões.
Outro filme que assisti, mas que nesse caso deixou um buraco no meu peito foi Close do diretor e roteirista belga Lukas Dhont. O filme chegou a ser indicado na categoria melhor filme internacional no Oscar em 2023. É uma produção que tem como objetivo transcender as fronteiras emocionais da amizade, nos conduzindo a uma jornada de inquietação e tragédia. Ao longo do filme vemos os desafios dolorosos enfrentados por dois melhores amigos de 13 anos, um momento tão delicado da nossa juventude, ainda mais para dois meninos que possuem um vínculo forte e sensível que para outros é visto como um sinal imediato de homossexualidade. O filme é lindo, mas é também devastador, demorei para me recuperar.
Assisti ao filme May December do diretor Todd Haynes, que chegou a concorrer ao prêmio Palma de Ouro em Cannes. A belíssima Natalie Portman interpreta uma atriz chamada Elizabeth, que irá interpretar Gracie, personagem do filme interpretada pela maravilhosa Julianne Moore. Gracie ficou conhecida por ter se envolvido com um menino que cursava a sétima série no colégio do seu filho. Ela chegou a ser presa por isso ser crime, os dois possuem 20 anos de diferença. O objetivo de Elizabeth é conhecer a mulher que ela irá interpretar, seus trejeitos, motivações e sentimentos. Quem rouba a cena é o ator Chales Melton, que interpreta Joe o menino que se apaixonou por uma mulher mais velha e teve sua juventude interrompida. É devastador ver a atrofiação de um homem que não se desenvolveu emocionalmente direito porque foi engolido por um relacionamento moralmente inaceitável. O filme traz alguns elementos que me lembram filmes sobre Serial Killer, investigação, filmes como David Fincher ou a saga Hannibal, apesar que não há um assassinato explicitamente, não há um corpo para ser encontrado, mas há sim, a morte de um menino, de uma juventude não vivida, de uma mulher manipuladora que pode ser vista como a responsável pelo assassinato. O filme me deixou arrasada e muito pensativa.
Outro filme que se destaca nesse universo é Saltburn, filme que estreou na Prime Vídeo no final de 2023 e dividiu multidões, gerou inúmeros comentários e debates. Há quem tenha gostado muito, há quem tenha detestado com todas as suas forças. Eu estou na primeira categoria: os que gostaram muito. Ele é excêntrico, sádico, bizarramente perturbador, nojento, tem muito humor ácido e incrivelmente bem escrito e dirigido pela Esmeralda Fennel, a mesma diretora do perturbador e necessário filme Bela Vingança. Na minha opinião a cena mais perturbadora não é o Oliver interpretado pelo Barry Keoghan lamber o sémem do Felix (Jacob Elordi), mas a cena que após uma tragédia todos vão almoçar tentando fingir que nada aconteceu, perguntando se a comida estava boa, comentando sobre a festa, como se nada tivesse acontecido, uma banalização sem fim.
Não tem como não mencionar Midsommar: O Mal Não Espera a Noite, filme do diretor Ari Aster famoso por fazer filmes perturbadores. Esse eu tive que assistir à tarde, mas que permaneceu na minha mente por dias. Diferente de muitos filmes de terror, esse é desenvolvido de dia, sob a luz brilhante do sol. A fotografia do filme é realmente impressionante. A história gira em torno principalmente da personagem Dani, interpretada pela maravilhosa Florence Pugh, que está lidando com problemas na vida pessoal e topa ir em uma viagem com o namorado e seus amigos para um festival sueco em uma comunidade rural isolada. O que era para ser um refúgio, um lugar de descanso, se torna um pesadelo surreal. Os temas mais explorados são o luto, a alienação cultural e a decadência das relações interpessoais.
Não posso deixar de mencionar os filmes de Jordan Peele que está construindo uma carreira excepcional como diretor e roteirista de filmes que exploram temas sociais, raciais e de horror psicológico. Em Corra, seu filme de estreia ele aborda questões de racismo nos Estados Unidos, quando Chris, interpretado pelo ator Daniel Kaluuya, um afro-americano vai visitar a família de sua namorada branca precisa lutar para conseguir ir embora daquela casa e tentar libertar os outros negros daquele lugar. Infelizmente ainda não assisti Nós, mas assisti Nope, seu último filme que aborda a sociedade do espetáculo, o tudo pela audiência.
Essas produções por mais que sejam chocantes, têm o poder de nos fazer pensar sobre a condição humana por meio de uma nova perspectiva. São filmes que nos desafiam a olhar para o desconhecido e se aproximar mais ainda da complexidade das relações humanas.
Nenhum filme reproduz a realidade, eles fazem uma releitura, contam de outra maneira coisas do cotidiano, da vida, dos costumes e ainda que sejam invenções bizarras, não deixam de ser bons filmes, porque é no cinema que podemos expressar nossa criatividade, nossas ideias.
✍🏻 CONSIDERAÇÕES
Café com Açúcar foi criado com intuito de explorar o mundo por meio da escrita criativa, buscando nas entrelinhas o sentido das coisas.
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😉 RECOMENDAÇÕES
Assista:
Corra disponível na Netflix
Saltburn disponível na Prime Vídeo
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Parei no meio do texto enquanto lia "filmes perturbadores" e fiquei me questionando: o que este filme me perturba exatamente? É linda a capacidade sublime que a arte tem nos remexer um pouco (ou muito?).
Gostei de Saltburn. Corra me deu um medo terrível, uma angústia enorme.
Adorei o texto. Vou anotar as outras indicações que ainda não assisti. Beijos.