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A tal das metas de fim de ano… lembro que no ano de 2023, jurei que correria 10km até o final do ano e, além disso, conseguiria correr sem precisar caminhar. Acontece que, após altas doses de álcool, cai - de uma maneira que até hoje não lembro - enquanto pulava carnaval, e o meu joelho ficou meses danificado.
Poderia ter insistido no decorrer da recuperação? Sim. Dava para fazer pequenos movimentos, mas não o fiz. Adiei para 2024.
Diferente de algumas metas que acabam não se tornando realidade, essa se tornou antes que o ano acabasse, no último domingo (22/09). Para a minha felicidade, corri os 10 km sem parar um segundo sequer por 01:08:58.
Acho que todo mundo já notou que a corrida virou o assunto do momento. Talvez a modinha “mais saudável” dos últimos tempos. Apesar de que, como todo e qualquer coisa, sempre tem quem estrague e crie hierarquias para se sobressair em relação a outros.
E é por isso que vou contar o motivo que me levou a correr. Não, eu não iniciei pela modinha, posso dizer que ela me ajudou a permanecer na luta, porém, o motivo surgiu por volta de 2004 e 2005…
Eu era uma criança de 6 ou 7 anos - já que não lembro o ano exato - quando minha professora me chamou na frente de todo mundo na sala. Na minha cabecinha, tudo que eu pensava era que estava ferrada por algo que fiz ou deixei de fazer. Estava nervosa com a probabilidade de uma possível humilhação. No entanto, fui surpreendida com a frase “você deve estar orgulhosa do seu pai”.
Nesse momento, ela abriu uma revista e mostrou uma matéria sobre o meu pai, contando suas conquistas como corredor. O artigo foi publicado na revista do Bradesco, já que naquela época meu pai trabalhava lá e eu estudava na Fundação Bradesco em Manaus.
Fiquei parada em silêncio, nervosa e com vontade de sair correndo. Eu era uma menina muito tímida, muito mesmo. Eu provavelmente respondi que sim, mas sem ter noção do que significava sentir orgulho por alguém, e muito menos que correr era algo “legal”.
Eu nunca esqueci aquele episódio, e de alguma forma ele moldou minha percepção sobre meu pai, a corrida e o significado de “orgulho”. Não só passei a sentir orgulho de fato dele, como comecei a apostar corrida na educação física e no recreio com os meninos. Vivia suava, com a blusa toda puxada e descabelada. Eu realmente acreditava que era muito veloz, mas assim, super veloz mesmo, igual a personagem de desenho.
É engraçado que meus personagens favoritos dos desenhos eram sempre os super velozes, como o mercúrio ou o flash. E, inclusive, por causa de um programa chamado de zoboomafoo, o animal guepardo passou a ser meu animal favorito do planeta, por ser o mais veloz do mundo (inclusive, quero muito tatuar um).
Meu pai tinha um saco de mercado cheio de medalhas na cor prata, com fitas na cor azul. Naquela época, elas eram mais simples, e quem costumava ganhar eram as pessoas que chegavam entre 1 e 3 lugar. Meu pai corria desde muito jovem - confesso que nunca tinha visto ele correr.
Então, aquela matéria e a professora, trazendo à tona os feitos do meu pai, se tornaram um evento canônico na minha vida, e fizeram com que eu crescesse com esse desejo de um dia correr como meu pai.
Na adolescência, acabei indo para o futsal e o vôlei. Depois, com meus vinte e tantos anos, decidi que estava na hora de colocar em prática esse desejo, mas no início era horrível. Eu pensei que fosse amar de primeira, que o DNA do meu pai faria efeito em mim sem qualquer esforço, mas não. Corria 3 km e morreria. Provavelmente fazia isso em quase uma hora.
Então, tratei de me esforçar mais, e consegui fazer 5km em 45 minutos. Até que me inscrevi em uma dessas corridas de rua, mesmo sem saber muita coisa, e contei para o meu pai. Em um mundo tão performático, onde todo mundo agora corre, tem milhares de acessórios e se compara o tempo todo com quem já está há anos fazendo isso, meu pai apenas falou que não tem problema se eu não conseguir correr sem parar, desde que eu consiga finalizar. Ele me antecipou que várias pessoas caminham nessas corridas, e que é super normal.
Então lá fui eu na minha primeira corrida, e caminhei, sim, não tinha como não caminhar, mas terminei meus 5 km em menos de 40 minutos. Havia várias pessoas caminhando, cada uma com seu ritmo. Tinha pessoas com deficiência, idosos, e até uma mãe com um carrinho de bebê. Foi ali que percebi o quanto essas corridas são uma oportunidade incrível para todos participarem.
Meu pai veio de uma época em que não havia relógio de contar “pace”, e desconfio se já existia o uso desse termo na época. Eu, por exemplo, só fui saber o que era “pace”, no início desse ano, e ainda pronuncio a palavra errada.
Mostrei meu tênis novo da olympikus para meu pai, com placa de carbono, com material respirável e moderno, e ele contou como tudo estava tão diferente, já que na sua época o tênis tinha que ser rente ao chão (reto). Não tinha gelzinho com carboidrato para consumir em longas distâncias. Não tinha óculos para correr, meia de compressão, nem um fone de ouvido para ouvir música - eu nunca corri sem meu fone de ouvido, e meu pai não sabe o que é correr com fone de ouvido.
Meu pai está entrando agora no mundo moderno das corridas, baixou o Strava, brinquei que agora esse aplicativo é uma espécie de Tinder da galera da corrida. Ele comprou um relógio simples para contar o tempo de corrida e o mesmo tênis que o meu.
Depois que iniciei a corrida, ele voltou a correr. E agora nossa relação é basicamente resumida entre falar de corrida, tênis e fumaça - para quem não leu meu texto: #47 Filmes de ficção cientifica são, na verdade, documentários
Meu pai é quem me dá conselhos, e ele sempre fala para eu pegar leve, respeitar o corpo, cuidar do joelho e da panturrilha. Ele me incentivou a iniciar uma assessoria de corrida para que eu não me machucasse e conseguisse cumprir minhas metas, já que decidi quase de última hora que correria uma meia maratona ainda neste ano. Inclusive, algo que fiquei sabendo recentemente, meu pai é maratonista (42km).
Acho muito legal a nova onda de pessoas fazendo esportes, e compartilhando suas conquistas, porém, como eu havia dito antes, sempre tem o povo chato, que parece crente recém-convertido na igreja, que quer a todo custo te levar junto e critica quem não corre, ou critique quem pratica esportes e continua bebendo álcool e comendo porcaria - eu permaneço nessa última categoria.
Hoje em dia, não é fácil não se comparar com os outros, até porque a grama do vizinho sempre parece mais verde. Mas precisei treinar muito minha mente para lidar com o tanto de pessoas que são muito melhores que eu nisso. E eu tenho um baita orgulho do caminho que trilhei até chegar ao ponto de finalmente correr 10km sem precisar caminhar, sem sentir dor, respirando direitinho.
Comecei correndo 5km em 40 minutos. Na época, eu não aguentava nem 1km correndo sem parar, sempre sentia dor no peito e não sabia como respirar direito na corrida. Demorei mais de um ano para finalmente correr mais de 5km, e ainda assim parava muito.
Por isso é tão importante começar do início. Parece redundante, né? Mas tem gente que já quer começar no final, correndo igual quem corre há anos, fazer algo que nunca fez de primeira. Mas como tudo na vida, é preciso começar devagar.
No texto sobre viajar sozinha, algumas mulheres comentaram sobre suas dificuldades em fazer isso sozinhas, que gostariam de ter a mesma coragem que eu. Meu conselho foi: comece aos poucos. Vá primeiro a uma padaria comer sozinha. Vá a uma consulta médica sozinha. Vá ao cinema, restaurante, feira ou show, sozinha.
Eu adoro essa frase: devagar e sempre.
Isso vale para tudo na vida. Comece, mas vá devagar, respeite seu corpo, seus sentimentos, mas tente. O ideal é começar do zero mesmo, e ir evoluindo aos poucos. Tenha você como parâmetro, não o outro. Não adianta ter pressa, e nem medo de começar.
Minha meta é em novembro completar 21 km sem me lesionar. Contei inclusive para o meu professor, que não tenho intenção nenhuma de “performar”, eu quero conseguir correr, não me machucar, e finalizar a prova. É isto.
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Moça, que coincidência! Tambem descobri recentemente que meu pai era maratonista (ele já faleceu e eu pretendo correr minha primeira maratona ano que vem em homenagem a ele), escrevi no medium ano passado um texto sobre minha relação com meu pai e a corrida, se vc se interessar posso te mandar. A corrida tem mudado minha vida também 🤎 adorei seu texto!
é uma sensação muito boa quando você consegue correr 5 ou 10 quilômetros sem parecer que vai ter um infarto depois, né? ainda não tive a coragem de me inscrever em uma prova de rua. acho que tenho medo de acabar me viciando. hahaha