A newsletter Café sem Açúcar é compartilhada gratuitamente e enviada em todas às quintas-feiras. O intuito desse espaço é explorar o mundo por meio da escrita criativa, buscando nas entrelinhas o sentido das coisas.
Compartilho crônicas do cotidiano, reflexões sobre a vida a partir do meu olhar e minha experiência; comento sobre filmes, séries e livros.
"Nem todos os que vagueiam estão perdidos" - J.R.R. Tolkien
Andar ou caminhar se refere ao ato de mover-se a pé, deslocando-se de um lugar para outro. É uma atividade física comum, seja ela intencional ou não. Estamos sempre caminhando em direção a um lugar ou uma pessoa. O ato de caminhar é usada tanto para exercício, aqueles que não correm ou não frequentam academia, tanto para explorar determinado ambiente.
Quando me deparo com questionários que me levam a refletir sobre mim, frequentemente leio a seguinte pergunta: “Quais são seus hobbies ou atividades favoritas para fazer durante seu tempo livre?”
E com mais frequência ainda, respondo: ir ao cinema, ler livros, sair com amigos, viajar e… andar.
Às vezes me sinto entediada em casa, então coloco uma roupa confortável, tênis e meus fones de ouvido para sair andando pelas ruas de Florianópolis. Gosto de andar por ruas com árvores altas, sempre observo os prédios e casas, seus formatos, sua varanda, procuro por detalhes que me lembrem algum filme ou série. É no andar que eu alimento minha imaginação, criando cenários, personagens e diálogos. O meu andar é uma jornada exploratória e criativa.
Me recordo de quando vim para Florianópolis pela primeira vez, era dezembro de 2015, minha mãe já morava nessa cidade há um ano, e vim visitá-la. Na época, ela morava perto do shopping beira-mar, e eu não fazia ideia de onde ficava nada, mas queria explorar. Eu cheguei de noite, então no dia seguinte sai na tentativa de conhecer aquela cidade desconhecida.
Desci do prédio, virei a esquerda e segui andando. Não lembro muito bem se eu usava Google Maps naquela época, nem sei qual celular eu tinha, fui andando instintivamente, subindo a avenida Mauro Ramos sem fazer ideia para onde ia chegar. Em um determinado momento perguntei onde ficava o centro e me deram uma direção na qual não entendi. Eu sou péssima com direções, então segui o que já estava fazendo.
Era boa a sensação de estar sozinha em uma cidade desconhecida. Meu lado exploradora estava a mil. Andei até chegar na Praça XV de Novembro, extensa e cheia de árvores muito bonitas. Como era final de ano, estava toda decorada com as luzes de natal. Assim descobri que estava no centro da cidade, o coração de qualquer cidade é o centro, o comércio local, os ambulantes, os prédios velhos da prefeitura, as caixas de som anunciando algum produto ou serviço.
Fiquei por um tempo andando pelo centro, mas já era final de tarde e temi que anoitecesse e eu não conseguisse retornar ao prédio. Eu não lembro se alguém me disse isso, se minha mãe havia dito ou se eu mesma havia pensado sozinha, mas segui na direção do mar, busquei um vislumbre dele e segui em sua direção porque eu sabia que ao chegar mais perto eu também estaria mais próxima ao prédio da minha mãe.
A volta costuma ser mais fácil em algumas situações, nesse caso, não foi nada fácil. Não lembro o restante da história, mas consegui chegar em casa e minha mãe ficou surpresa com a minha ousadia de andar sozinha por uma cidade desconhecida e ter conhecido o centro em menos de 24 horas, sendo que ela mesma só foi conseguir aprender a ir até lá sozinha depois de semanas.
Em Portugal não foi diferente. Andei até dar calos nos meus pés. Eu tive ajuda do Google Maps, mas em algumas ocasiões não deu muito certo, porque, como eu havia dito, sou péssima com direções, não entendo muito bem as informações fornecidas no aplicativo, não me pergunte por quê.
Andei por Lisboa por horas a fio, no final do dia meu celular marcava quinze quilômetros percorridos. Em uma dessas andadas, me perdia, não aquele perder de se desesperar, mas o de encontrar, se vislumbrar. A cada rua errada ou proposital, eu conhecia um cantinho novo e mais encantador da cidade. Às vezes eu namorava uma rua e ficava imaginando o que teria no final dela, foi assim com a praça dos restauradores, que ficava bem no centro de duas ruas. Segui em linha reta, ou como os manezinhos da ilha de floripa costumam dizer “segue toda vida”. Descobri nessa linha reta várias lojas chiques de grife, algumas eu nunca havia visto de perto, conheci novos restaurantes e quiosques bonitos, tocava caetano em uma delas
Já em Porto me perdi inúmeras vezes, não de proposito, eu estava tentando seguir o trajeto do aplicativo, mas sempre ia na direção errada, o que me permitiu entrar em ruas estreitas, observar algumas casas mais simples e comuns, foi nesse momento que vi uma mulher baixar um balde com uma corda, enquanto um rapaz colocava dentro um pacote de entrega de comida, como os do iFood. Em seguida, ela puxou o balde de volta para cima, ela estava de calcinha e camisa, parecia não se importar com os inúmeros turistas que passavam pela rua.
Foi nessa de me perder sem querer que parei em uma sorveteria e tomei um dos melhores sorvetes da minha vida. No final consegui chegar onde eu queria chegar, só levei mais tempo.
Fiz essas minhas caminhadas despretensiosas, mas pretensiosas, em São Paulo, com um pouco mais de cautela, claro, mas ainda assim fiz. Não suporto a ideia de me ver limitada a apenas ônibus e Uber, gosto de andar, explorar. Na minha primeira vez em São Paulo fui parar sem querer no bairro Augusta, local que eu queria mesmo conhecer, depois tropecei na Oscar Freire, e amei.
Em Fortaleza já fiz isso, andei como quem busca algo, mas não sabe o que. Conheço aquela cidade desde os meus três anos, mas sempre me surpreendo com algum outro canto. Esse é o poder de andar.
Andar está no meu DNA. Minha mãe tem a mesma mania que eu, ela gosta de andar e sozinha. Ela anda quilômetros até mais longos que eu, só pelo prazer de andar, e claro, economizar com Uber. Acredito que essa “mania” tenha se perpetuado depois de passar grande parte da infância andando quilômetros e mais quilômetros da roça até a escola mais próxima de casa, as pernas desconhecem a pausa.
Às vezes eu ando para poder ficar sozinha, o que é um pouco contraditório, afinal, a rua sempre tem gente andando, carros passando, bicicletas, ônibus. Mas aquele movimento me causa um certo alívio, porque não é comigo, é a vida se movimentando, ninguém necessariamente interage comigo.
Gosto de observar o movimento, ver a vida acontecendo, ouvir os sons da cidade, o caos, as risadas, ver os rostos de angústia, raiva, felicidade, tristeza, a humanidade estampada em uma face. Gosto de observar os prédios, os pombos, ver a história da vida sendo contada ao vivo. Às vezes recuso carona para ter o prazer de andar. Se o mundo fosse mais seguro eu faria isso mais vezes do que já faço, confesso que sou ousada ou sem noção, pode ser isso também. Às vezes saio de um bar e vou andando até a minha casa umas 2 da manhã, quem encontro no caminho são prédios silenciosos, carros com luzes dos faróis fortes, moradores de rua e mulheres da vida.
Eu não ando para me perder, eu ando para me achar.
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Comecei a ler o livro da Elkin, sobre flaneuse e estou amando. Caminhar e observar de forma despretensiosa é uma atividade deliciosa mesmo! No caso da autora, mil vezes mais interessante por se tratar de Tokio, Paris, Nova Iorque, Veneza. Pra mim, resta Nova Iguaçu, Caxias, Queimados kkkkkkkk
Deu vontade de botar os fones de ouvido e sair andando! hehehe...