A newsletter Café sem Açúcar é compartilhada gratuitamente e enviada em todas às quintas-feiras. O intuito desse espaço é explorar o mundo por meio da escrita criativa, buscando nas entrelinhas o sentido das coisas.
Compartilho crônicas do cotidiano, reflexões sobre a vida; comento sobre filmes, séries e livros.
1.
Existe uma história que é passada de geração em geração. Todo mundo conhece ou já ouviu falar. Às vezes citamos ela sem nem pensar direito a respeito, mais por força do hábito. Aquela coisa que falam para a gente quando somos crianças, que nos confundem quando nos deparamos com a realidade dos fatos, porque a teoria é ótima, mas a prática não muito. Aquela lenda urbana lá de que: errar é humano, e é errando que se aprende.
Não existe um ser humano nessa terra que não tenha ouvido essa frase, algumas vezes como incentivo, para continuar tentando até conseguir. O problema que nem a teoria está mais em alta, quem dirá a prática. Ninguém tem mais permissão para errar. E isso é triste.
2.
Há algumas semanas eu estava em minha sala de trabalho lendo um processo no qual eu teria que elaborar um parecer jurídico, e comecei a ouvir um barulho estranho, parecia que alguém estava resfriado e não parava de fungar o nariz. Ignorei no primeiro momento por achar que era só gripe da colega que senta na sala ao lado. Alguns minutos depois ouvi ela engolir o que parecia um choro baixo, aquela tentativa desesperada de tampar o que insiste em sair para não fazer barulho ou passar vergonha na frente dos colegas. Aquilo era um choro tímido implorando para ser derramado.
Eu tenho certa dificuldade em ver alguém chorar, isso me deixa desconfortável porque eu não faço a mínima ideia do que fazer. Eu acho choro algo tão íntimo, que me sinto intrusa estando no mesmo ambiente que alguém que está chorando. Esperei mais alguns minutos para ver se ela parava se não eu teria que fazer algo, seria insensível demais da minha parte ficar ali do outro lado da sala ouvindo alguém chorar e não fazer nada. Para minha sorte ela parou de chorar, enxugou as lágrimas e veio até a minha sala conversar. Ela me perguntou se no começo meu parecer também era corrigido e modificado por inteiro, como se não tivesse conseguido fazer nada certo.
Eu não só disse que sim, como disse que até hoje meu parecer é modificado.
Ela tinha entrado na residência -para quem não sabe é um tipo de estágio para quem já é formado em direito- há cerca de uma semana. Se tem alguém que tem direito de errar e muito, é ela.
No primeiro dia de trabalho dela, só havia eu na sala, ela é do criminal e eu do civil, mas como as atividades são parecidas, dei algumas instruções, falei que seria difícil no início, mas que com a prática ela ia começar a fazer as coisas automaticamente, e que é normal ser corrigida, porque são muitos procuradores e cada um possui suas próprias características. Eu por exemplo já trabalhei com uma procuradora que usa fonte Arial 12, o outro usa Vergana 12 e a última com quem estou usa Germane 14. Só a fonte já bagunça toda a nossa cabeça, imagina o resto.
A questão é, ela chorou no primeiro parecer jurídico, em sua primeira semana de trabalho. E não a julgo por isso, eu só fico triste em como nós esquecemos que é errando que se aprende. Não nascemos sabendo de tudo e morremos sabendo de nada.
Ela me contou que se sentiu a pior profissional do mundo e então contei uma história minha recente para ela.
3.
O mês de fevereiro foi uma loucura. Teve carnaval, perdi um amigo, teve meu aniversário, tive um problema com idealização romântica, e para completar teve meu rendimento no trabalho caindo.
Eu estava auxiliando um procurador conhecido por ser “fácil de trabalhar” nada complicado demais, e eu já havia trabalhado com ele outras vezes, mas recebi uma mensagem para ver os dois últimos pareces que fiz e entender o que errei. Quando abri cada um deles fiquei perplexa. Eu nunca vi isso antes, não que eu nunca tenha errado no trabalho, muito pelo contrário, eu erro muito, mas aquilo era demais, eu havia esquecido de colocar um monte de coisa, não tinha explicado os pontos principais, estava realmente péssimo, sem falar que eu havia errado a formatação, e se tem uma coisa que os órgãos públicos, principalmente o que eu trabalho preza é formatação. O procurador agendou um dia para conversar comigo pessoalmente e eu gelei obvio.
Isso aconteceu uma semana depois de eu ter recebido minha avaliação que é feita de todos os residentes a cada semestre. A minha chefe me enviou e na parte de desempenho eu havia tirado 9. Ela me perguntou “você sabe porque tirou 9?” E eu obvio não sabia e perguntei o porquê… então ela disse “porque sempre da para melhorar o que já é bom.”
Antes de me reunir com o procurador para falar dos pareceres que fiz, a minha segunda chefe soube e veio conversar comigo em relação aos meus erros, ela disse que era por falta de atenção e resolveu corrigir primeiro antes que eu enviasse para o procurador. Acontece que eu não funciono bem sobre pressão. Eu fico mais aterrorizada ainda. Sempre acho que vou errar algo muito pior e acabo não me concentrando direito.
Dito e feito, cometi o mesmo erro.
Me encontrei com o procurador, ele foi bem paciente e gentil no primeiro momento, comentou cada paragrafo do parecer, me deu dicas e esperou que eu corrigisse o parecer. Voltei para sala, refiz os pareceres, só que eu já havia enviado mais uns dois pareceres antes da reunião, então o outro parecer tinha mais problema, e foi aí que ele me dispensou. A minha função é ajudar as procuradorias, ou seja, é ajudar e não atrapalhar. Quando a gente mais atrapalha, não somos necessários. É mais ou menos assim como funciona lá. Obvio que chorei horrores sozinha em casa, desesperada com medo de perder meu emprego. Tô há dois anos nesse trabalho e as pessoas esperam que você não erre mais a essa altura. E não quero me inocentar e torna-los vilões. Eu sei que cometi erros, mas eu preciso e as pessoas precisam entender que a gente vai errar não importa quantos anos a gente faça a mesma coisa. Eu trabalho há 6 anos em órgãos públicos, há 5 eu elaboro pareceres e continuo errando. Vai ter dias que eu não vou estar bem, e isso pode influenciar no meu desempenho. Vai ter dias que vou estar distraída, então a gente busca maneiras de amenizar isso.
No podcast O Corre Delas, a entrevistada fala “entender que eu sempre vou errar e acertar faz com que eu não tenha medo de seguir em frente.”
4.
É muito difícil ser resiliente quando as pessoas ao seu redor não te permitem errar, assim como você não se permite errar.
Minha primeira reação é sempre sentir medo de que aquele erro me cause alguma consequência. Depois que choro algumas lagrimas, respiro fundo, volto para dentro e me lembro das vezes que errei e depois deu tudo certo.
No meu caso minha primeira reação tem uma origem muito clara para mim, que só foi possível identificar graças a terapia. Eu custei a entender porque eu reagia de tal forma sempre que eu errava e chorava de medo das consequências. Quando eu era criança, devia ter entre 4 ou 5 anos. Uma professora sentou ao meu lado e pedia para que eu respondesse uma pergunta, só que eu não sabia a resposta, então ela pegou na minha mão bem forte e sacudiu pedindo para eu responder, e eu comecei a chorar desesperada porque eu não conseguia responder o que ela me pedia, e o modo como ela se expressava, dava a sensação de que aquilo era muito fácil e eu tinha que saber, porque os outros sabiam.
Eu nunca esqueci esse episódio. É como se eu sentisse aquela mão segurando a minha com força e sacudindo até hoje. Eu sempre preciso reforçar a mim mesma que não tem problema errar, que eu sou capaz de consertar as coisas, que sou capaz de aprender e reaprender.
A gente esquece de todos os outros erros que cometemos e de todas as reviravoltas que vivemos.
Mais do que isso, a gente esquece das trilhões de vezes que acertamos. Se a gente parar para pensar há mais acerto do que erros, o problema que a gente cresce sendo chamado a atenção sempre quando erra, enquanto os acertos são ignorados pelas pessoas.
Claro que não precisamos que todo acerto seja elogiado, mas é muito ruim quando parece que as pessoas e nós mesmos, só vemos os erros, e esquecemos de todo o resto.
5.
“O lápis vem com borracha na ponta porque as pessoas sempre cometem erros”.
Essa frase foi retirada de um diálogo entre amigas na série Fleabag.
“a vida é um grande rascunho, embora a gente se cobre como se já tivesse passando algo a limpo.”
Frase retirada do
✍🏻 CONSIDERAÇÕES
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😉 RECOMENDAÇÕES
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